O jeito perdeu-se
deixou de saber o caminho de casa
como se as pernas perdessem o r
e ficassem penas
que juntas fizessem asas
e o às duplo das asas
que antes era mão ganhadora
deixasse de ser sequer um
e passasse a ser bisca seca
de um naipe que não o de trunfo
a facilidade com que fazia tudo
fez o homem pensar-se maior do que era
fez até os outros julgarem-no enorme
e,
se o era
era-o porque era, não porque o julgassem assim
ele e os outros
houve um dia
(como há sempre)
em que levou com a realidade
ficou deprimido
e
por isso
a realidade, com que tinha levado, deixou de ser
passou a ser menos
porque se achava menos
e quanto menos se achava, menos era
Estava sempre pessimista
e por isso tinha sempre razão quando achava que não era bom
e quanto menos bom era mais razão tinha em achar-se mau
e mais mau ficava
e quando péssimo já não tinha superlatividade suficiente para definir
levou outra vez com a realidade
e descobriu que era o que era
não pior que isso
por isso julgou-se bom
ficou contente e achou que isso era bom
há tanto tempo que a Alegria não vinha...
mas veio, sem razão especial
começou a achar-se bom
e com jeito
por isso conseguia fazer tudo
e bem feito
o coração já não estava mudo
apeticia-lhe abraçar
sem razão, só para partilhar
partilhou, partilhou, partilhou
até que se partiu
e em vez de ficar triste
continuou alegre
sem razão
o médico disse que ele era desiquilibrado
ele disse ao médico que era feliz
o médico disse que isso passava...
...e passou
ficou cansado
e farto por não mandar em si mesmo
foi à ponte da cidade e
depois de tomar uma caixa inteira de calmantes
e cortar os pulsos
atirou-se lá de cima
ficou quase um mês a cair
quando finalmente chegou ao chão
estava todo partido
costelas, braços, pernas
no hospital disseram que teve muita sorte em acordar do coma
ele continuou a achar que teve falta de jeito
mas em vez de deprimir, riu-se
riu-se tanto que acabou em pranto
saiu do hospital
e foi viver,
como toda a gente!
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